A última vez que você saiu de uma consulta com uma nova receita, provavelmente pensou que seu médico escolheu o melhor tratamento para sua condição clínica, baseado nas melhores evidências científicas.

Mas, se ele aceita presentes, almoços e viagens grátis oferecidas pelas farmacêuticas, há uma boa chance de a escolha do remédio ter sido tendenciosa.

É mais ou menos o que diz a médica Nicole Van Groningen, em recente artigo publicado no jornal americano “The Washington Post”. Nada de novo no front a não ser fato de que cada vez mais médicos têm admitido essa influência bem-sucedida da indústria.

Nos EUA, as farmacêuticas gastam por ano US$ 24 bilhões em ações de marketing para promover seus medicamentos de marca a profissionais de saúde. Por lá, no entanto, o cerco está fechando nos últimos anos. Vários hospitais de ensino promulgaram políticas que restringem ou proíbem visitas de representantes farmacêuticos na esperança de limitar a influência da indústria.

No mês passado, o Senado da Califórnia aprovou um projeto de lei que proíbe as farmacêuticas de dar presentes aos médicos. O projeto de lei coincide com novas evidências de que gastar dinheiro para influenciar os médicos realmente funciona.

Um estudo publicado no mês passado no periódico científico “JAMA” mostrou que em hospitais que restringem visitas e presentes de representantes das farmacêuticas, os médicos pedem menos medicamentos de marca e prescreveram mais versões genéricas do que em outros hospitais que não têm essas políticas.

O estudo não é o primeiro a destacar a ligação entre os hábitos de prescrição dos médicos e suas interações com os “reps”. Uma análise do “ProPublica” em 2016 revelou que os médicos que receberam pagamentos das indústrias e de medicamentos e de dispositivos médicos tiveram maior probabilidade de prescrever drogas de marca.

Quem perde nessa interação entre farmacêuticas e médicos são, obviamente, os pacientes. Quase um quarto dos americanos que tomam medicamentos de marca prescritos relatam que têm dificuldade em comprá-los. O mesmo deve acontecer no Brasil, mas desconheço estudos com esse foco.

O alto custo dessas drogas é uma das principais razões que levam os pacientes a desistirem dos tratamentos. E isso fica indefensável quando se sabe que a maioria dos remédios de marca oferece um benefício mínimo (se houver) em relação aos genéricos.

As farmacêuticas afirmam que suas visitas aos médicos têm uma finalidade educacional. Mas hoje, com tanta informação de alta qualidade nas bibliotecas médicas virtuais, fica difícil imaginar que os médicos precisem das visitas dos representantes farmacêuticos para se informarem.

A verdade é que, como qualquer médico está cansado de saber, drogas verdadeiramente valiosas, com evidências clínicas de alta qualidade não precisam de propaganda ou de marketing da indústria –vendem-se sozinhas.

O fato é que, enquanto o resto do mundo cria regras restritivas para minimizar os efeitos dos conflitos de interesse entre médicos e indústria da saúde, no Brasil essa discussão não anda. Nem mesmo depois de virem à tona os escândalos da “máfia das próteses” e as operações fraudulentas em hospitais públicos envolvendo medicamentos de alto custo.

Por quê? Não sei. Mas meu palpite é que, quando houver uma operação “Lava Jato da Saúde”, tenhamos algumas respostas.

Fonte: ePharma

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