Jornalista: Natália Cancian

17/02/2017 – Dois dos cientistas que pesquisavam a fosfoetanolamina (conhecida como pílula do câncer) se separaram do grupo de investigação e vão lançar sua própria versão da substância como suplemento.


A mudança de categoria, afirmam, foi uma forma de acelerar seu acesso no país.
“Como medicamento, o prazo [para lançamento] pode ser dois, três, quatro, às vezes até cinco anos”, disse Marcos Vinícius de Almeida, um dos cientistas responsáveis pelo suplemento, à Folha.


A substância será fabricada nos EUA —onde a aprovação de suplementos é facilitada— e poderá ser importada a partir de março. Ainda não há preço definido, diz Almeida.


A importação de suplementos e remédios para uso individual não precisa da aprovação da Anvisa, desde que a quantidade não seja característica para venda. Se o suplemento for importado para ser vendido no Brasil, precisará do crivo da agência, o que requer testes que comprovem suas propriedades.


Almeida e seu colega Renato Meneguelo dizem ter incorporado vitamina D, cálcio, fósforo e magnésio ao composto e que “o produto final não mudou nada”, referindo se à substância desenvolvida por Gilberto Chierice, pesquisador da USP de São Carlos.


A pílula original ainda está em fase de testes no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), patrocinados pelo governo federal e pelo governo paulista após pressão popular em seu favor.


Por décadas, a pílula foi fabricada em um laboratório da USP e distribuída a pacientes com câncer sem que tivesse passado por testes de segurança e eficácia. No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu a distribuição da droga no país.


Nem a embalagem nem os cientistas responsáveis pelo suplemento citam diretamente benefícios para pacientes com câncer. Segundo Almeida, a ideia é “manter o organismo em equilíbrio”.


“Eu viso mais as pessoas que não têm câncer e querem manter uma condição equilibrada do organismo”, diz Almeida.


“Se a pessoa tiver câncer e o médico achar que é conveniente, ela usa. Eu não posso falar que o suplemento é para câncer, porque isso está fora da legislação.” Ainda assim, a página do suplemento no Facebook anuncia o produto ao lado da foto de uma mulher careca com a frase “Não desista!”.


Na quarta (15) à tarde, Almeida afirmou à Folha que não tinha visto a foto da mulher careca e que a achava de mau gosto. “Foi um erro de marketing”, afirma.


No mesmo dia, uma outra foto de uma mulher mais velha, com um lenço na cabeça, também foi publicada na página do suplemento.


O diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, afirmou à Folha que a equipe técnica da agência analisará se há tentativa de comercialização e propaganda irregular.


A Anvisa regula a entrada de suplementos alimentares no mercado com regras específicas.
“Quando é só suplemento alimentar, tem que ser seguro. Para fazer qualquer alegação [de propriedade funcional], tem que comprovar com testes. Um exemplo são os produtos que dizem que ajudam a regular o intestino”, diz Barbosa.


Já a divulgação de eventuais propriedades terapêuticas é proibida. “Se fizer é crime.
Não pode dizer que cura hipertensão, por exemplo. Senão não é suplemento, é um medicamento.” Segundo Barbosa, até agora não houve pedido de registro do produto na agência, nem como suplemento nem como medicamento.


Em geral, a análise de pedidos de registro de suplementos leva até oito meses.
Para Barbosa, é preciso explicar também qual a composição do produto, já que os pesquisadores têm divulgado que a fosfoetanolamina que produzem é diferente da encontrada nos Estados Unidos, onde é usada como suplemento de cálcio, afirma.


“A nossa grande preocupação com a fosfotaenolamina sempre foi a de que não se pode distribuir no Brasil um medicamento que não esteja registrado, ou seja, sem avaliação de segurança e eficácia. E há risco de as pessoas com câncer abandonarem o tratamento por outro que não tem nenhuma prova científica que funcione. Mantemos essa preocupação.”

 

Paulo Hoff, diretor do Icesp prefere não expressar uma posição sobre a questão da importação do suplemento, tarefa que cabe as agências reguladoras, diz. “Continua sendo importante aguardar o resultado dos estudos que estão em andamento”, afirma. “As pessoas que venham eventualmente a usar o produto têm que estar cientes de que não há ainda nenhuma comprovação de benefício em termos de tratamento do câncer.” Outra fonte importante de dúvidas sobre o uso da fosfo envolve o grau de pureza das cápsulas de fosfoetanolamina que eram distribuídas de graça na USP de São Carlos.


Uma análise independente do material, conduzida pelo químico Luiz Carlos Dias, da Unicamp, a pedido do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), indicou que as cápsulas continham uma mistura de diversas substâncias —só uns 30% do conteúdo correspondia à “fosfo” propriamente dita.


“É possível aumentar muito esse grau de pureza? É, depende do método que eles vão utilizar na fabricação do suplemento e das etapas da preparação e purificação”, afirmou Dias. “Eu até gostaria de obter amostras para fazer uma análise comparativa no futuro.
Mas o fato é que, ao menos no caso das amostras que vieram da USP, esse material jamais deveria ter sido usado por seres humanos.”

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